[PS: Sorry for not writing in Spanish, but I cannot write as good as you guys. But, of course, comments in English, Spanish or French are totally ok! ]
Durante meu trabalho de campo, me surpreendi com uma resposta que um dos analistas responsáveis por analisar fusões e aquisições de empresas me deu. Este analista é um coordenador de uma área importante da agencia de defesa da concorrência (antitruste) brasileira. O pequeno trecho abaixo ilustra esse momento em que eu estava lamentando minha incapacidade de compreender (etnograficamente) aquilo que estava acontecendo no meu campo, especialmente com relação a ideia de mercado, mas não só com relação a ela.
Etnógrafo: “É que para mim é muito difícil compreender esses vários usos e significados que vocês dão para o conceito de mercado. Não sei se consigo identificar claramente os diferentes contextos em que vocês utilizam esse e outros conceitos.”
Regulador/analista: “Sim, Gustavo, é um problema difícil este que você está sugerindo, se é que eu entendi. Na verdade, trata-se de um problema ontológico; são diferentes modos de operar. E acho que todos sabemos disso, mas simplesmente tentamos utilizar essa ambiguidade a nosso favor.”
Recentemente, a antropologia das finanças, mais especificamente, tem se dedicado ou tentado lidar com uma questão central para os sociólogos e antropólogos que trabalham com, sobre, ou em mercados. Essa questão pode ser colocada como uma pergunta: o que nós, cientistas sociais, devemos fazer quando aquilo que dizemos se torna óbvio para os nossos “nativos”?
Esse óbvio decorre de vários motivos. Em primeiro lugar, os nossos nativos estão lendo e estudando aquilo que nós mesmo lemos e estudamos. Bill Maurer (2005) coloca uma questão em seu trabalho: o que fazemos quando nossos nativos já leram Posner? No meu caso, meus nativos, juristas renomados, advogados e economistas já leram Latour!, Callon, e outros mais, além de meus próprios trabalhos que discutem suas práticas e ideias. É difícil ou impossível, nesse caso, se colocar como um cientista social afastado que irá revelar algo que os estudados ainda não possuem pleno conhecimento. Como diz o analista, problemas ontológicos são óbvios, em um certo sentido, o que importa é o que ele faz com eles.
Uma outra razão para o surgimento desse problema é o fato de que, cada vez mais, estamos lidando com experts que utilizam-se de práticas de conhecimento, epistemologias, muito similares à nossa. Isso talvez seja mais chocante para antropólogos do que para sociólogos, mas o science wars em que Bruno Latour se envolveu mostra como que esse problema não é nada simples de ser resolvido. Particularmente, desde a virada dos science studies, em que nós, sociólogos e antropólogos, começamos a nos voltar mais seriamente para o modo como são feitos os fatos, conceitos e objetos, essa questão tem se tornado mais e mais latente.
Fabian Muniesa (2010) tratou desse mesmo problema quando lidamos com economistas, ou economists in the wild, afirmando em seu estudo que a performatividade da teoria econômica é talvez mais chocante para quem estuda o mundo econômico (e seus críticos) do que para os próprios economistas. Se a construção do mundo econômico é óbvia para seus construtores, o que podemos dizer, então, para além disso? Os antropólogos Hirokazu Miyazaki e Annelise Riles (2005) dizem que nossas próprias análises estão sendo utilizadas pelos market builders, sendo que as materialidades, estruturas cognitivas/instrumentais, e a própria “cultura” que descrevemos acaba sendo performada pelos próprios agentes de mercado ou seus construtores, seja na sua concepção ou construção. Qual a relevância então de falar sobre a estruturação dos mercados por humanos e não-humanos quando nossos pesquisados já se adiantaram a respeito daquilo que consideram ser necessário para estruturar mercados? E mais, o que fazemos quando eles pouco se importam para como o mercado é estruturado? Nesse caso devemos continuar descrevendo para nós mesmos os market e framing devices que eles utilizam? Se não, o que fazemos?
Deixo essa pergunta aberta para discussão, mesmo porque eu não sei como respondê-la adequadamente: como responder sociologicamente e etnograficamente ao problema do óbvio? Annelise Riles acredita que seu trabalho e de outros antropólogos deva ser o de descobrir modos distintos de descrever mercados, modos diferentes daqueles que os participantes de mercado (experts, traders, comerciantes, reguladores) se utilizam. Talvez essa seja uma saída possível e legítima, embora muito mais difícil de traçar na prática. Num próximo post vou tentar descrever resumidamente algumas tentativas (de antropólogos, pelo menos) de lidar com esse problema que me parece ser extremamente complexo e que nos faz pensar em nossa função como crítico, colaborador ou observador do mundo econômico.
Bibliografia
MAURER, B. 2005. Mutual Life, Limited: Islamic Banking, Alternative Currencies, Lateral Reason. Princeton University Press.
MIYAZAKI, H. e RILES, A. 2005. Failure as an Endpoint. In Global Assemblages: Technology, Politics, and Ethics as Anthropological Problems. Aihwa Ong and Stephen J. Collier, eds. Pp. 320-331. Malden, MA: Blackwell.
MUNIESA, F. 2010. The problem with economics: naturalism, critique and performativity. Papiers de Recherche du CSI, n 20.
Comments
Gracias Gustavo, muy buen desafío que pones. Lo enunciaría como: que hacer cuando nuestro objeto de investigación y nuestra práctica como investigadores sociales se acercan? Sin duda Callon y amigos cambiaron la manera tradicional de enfrentar la relación entre las ciencias sociales y los otros conocimientos de la vida económica (i.e. de una descripción experta de la economía diferente y crítica a la de los economistas; a describir la economía con los economistas incluidos). Sin embargo, esta nueva formula sigue asumiendo una cierta inconmensurabilidad entre “nuestro” conocimiento y el de “ellos” (aunque quizás algo cambia cuando Callon habla sobre “civilizing markets” or mercados como foros híbridos enmarcados por una pluralidad de modos de conocimiento incluido los de antropólogos de los mercados). Una manera diferente, creo yo, es explotar las similitudes entre nuestra práctica y la de nuestros nativos. Quizás más como hace gente como Strathern al buscar gatillar cosas situando juntos al mismo nivel el conocimiento producido por sus nativos y las ciencias sociales. De hecho, justo hace una semana, conversamos con esto a partir de la presentación de Mariana Heredia por acá (https://estudiosdelaeconomia.wordpress.com/2013/10/31/copenhagen-markets-and-valuations-group-second-seminar-2013-14-mariana-heredia/ ). En el sentido de que quizás una forma de entender mejor como circula el conocimiento económico (en su caso, la receta de “convertibilidad” para lidiar con la inflación) entre diferentes instituciones es comparándola con la forma como circula (o dejar de circular) entre diferentes países e instituciones el conocimiento que nosotros producimos como cientistas sociales. En otras palabras, una manera de lidiar con tu dilema sería explotando y no evitando las similitudes entre tú modo de producir conocimiento y el de tus nativos. Saludos,
Gracias por el comentario, Jose!
Você tem razão quando diz que um melhor modo para tentar sair deste dilema seria explorar as convergências entre nossos modos de conhecimento e o dos outros. Entretanto, acredito que seja mais simples afirmar este programa de investigação do que realmente fazê-lo funcionar. Não sei em que medida as monografias recentes que trataram de fazer isso realmente foram bem sucedidas. As vezes parece que alguns trabalhos ficam retornando incessantemente à própria prática etnográfica nas suas reflexões e deixam grande parte dos problemas (políticos?) de fora. Não quero dizer com isso que eu esteja reclamando uma volta para um modelo mais “crítico”, mas certamente precisamos pensar melhor o que “colaboração”, “responsiveness” ou “comparação” podem nos trazer de realmente diferente para nossa prática investigativa. Digo isto porque fico preocupado com mercados que não são passíveis de serem civilizados e que talvez não estejamos respondendo à altura dos acontecimentos das nossas economias.
Não sei se você concorda, mas você não acha que as vezes nós ficamos entrando em minúcias, detalhes, que são menos relevantes, apenas porque achamos que desse modo podemos falar algo diferente sem ter que enfrentar o core business dos problemas? E eu sou o primeiro a afirmar que faço isso de vez em quando.
Mas isso é um problema maior e que só nos faz pesquisar ainda mais.
Saludos
Muchas gracias Gustavo por el post, plantea preguntas muy interesantes. Ahora bien, mientras leía, me hacía la siguiente pregunta. En el fenómeno que describes, ¿hay una particularidad de la sociología económica, o de los mercados? La circulación de las ciencias sociales toca un sinfín de campos. Para la sociología política o de los movimientos sociales, también para todas las áreas vinculadas a las políticas públicas (y probablemente mucho más área, pero estas son donde tengo experiencia), no cabe ninguna duda que muchos actores están al tanto de las discusiones académicas. Muchas veces en entrevista se instala un juego donde el entrevistado trata de adivinar qué conclusión el investigador va a sacar de las respuestas que le entrega…
Por lo tanto, creo que es una situación que se da habitualmente. Esto no significa que haya que hacerse la pregunta, pero quizás vale la pena tratar de ver lo que es propio de la sociología de los mercados. Nos prometes un segundo post, estoy impaciente de verlo. Saludos.
Respecto a lo de Antoine, agregaría que no es lo mismo el cruce de las barreras entre conocimiento producido por ciencias sociales y los agentes que estudiamos, cuando el conocimiento es visto de modo representativo (como una forma más o menos correcta de representar el mundo social), a cuando se le considera reflexiva y performativamente (o como dice la cita del post, cuando se discute la producción de ontologías). Pero claro, como dice Gustavo, ahí se abre de nuevo la pregunta sobre que podemos “agregar” en todo esto, si ya ni siquiera tenemos el monopolio de la reflexividad, sin quedarnos solo en descripciones minuciosas pero inútiles. Mi impresión es que este último punto se puede comenzar a procesar si lo localizamos, o si lo pensamos con un donde o a quien le estamos escribiendo. Creo que es importante tener en cuenta que somos agentes multi-situados, escribimos cosas diferentes cuando hacemos un paper para colegas de la misma disciplina (i.e. antropología), o cuando lo hacemos para colegas interesados en un mismo objeto (i.e. mercados), y si estos están situados en US, Brazil, Argentina o UK. De la misma forma, podemos producir algo diferente si queremos entrar a disputar el conocimiento que se usa en regulación (i.e. anti-trust), si queremos escribir a la opinión pública (i.e. diarios) o si tenemos un manifiesto para movimientos sociales (i.e. Debt de Graeber). Creo que una parte importante del trabajo de académico hoy tiene que ver con elegir en cuales de estas (u otras) discusiones uno quiere involucrarse y asumir que para cada una uno debe producir diferentes tipos de material, pues, lo que es novedad en una no lo es en otra, etc. Por supuesto, esto claro, más que responder, pospone la respuesta 🙂
Os dois comentários são muito interessantes.
Acho que seu comentário, Jose, responde um pouco o do Antoine. Sim, esse problema pode ser parecido em várias ciências sociais, mas está sendo enfrentado agora na socio-antropologia dos mercados, isto porque as questões de market design estão sendo mais e mais discutidas por especialistas e por nós, antropólogos ou sociólogos. Dito de outra forma, a pergunta de como se estruturam mercados na teoria e prática é colocada paralelamente pelos dois lados, pesquisados e pesquisadores.
É interessante isso que você disse Jose, porque realmente, alguns trabalhos são mais direcionados à antropologia do que à sociologia e isso muda todo o trabalho de escrita. Acredito que essa discussão talvez seja mais própria para o diálogo com os próprios reguladores e com especialistas (cientistas políticos, economistas, sociólogos, juristas e antropólogos) que tentam redescrever em outros termos o trabalho de regulação. Não é realmente uma questão que se colocaria nos periódicos e para os movimentos sociais, mas sim para todos que estudam mercados e sua regulação. Ainda bem que temos este blog para discutir esse tipo de problema sem ter que pensar muito em como dividir essas reflexões entre esses possíveis leitores! : )
Creo que la pregunta que propones es clave Gustavo. Otra opción sería explorar la historia de la divergencia entre la economía y otros ámbitos disciplinarios, su “aislamiento” como una ciencia política. Por ejemplo, antes del debate entre los “formalists” y “substantivists,” se pensaba que los antropólogos tienen algo importante que decir directamente a los economistas.
Pero también creo que la sugerencia de José es muy buena. Miyazaki sugiere en su nuevo libro que prestemos atención a los “reading lists” de nuestros interlocutores. Para mi, fue un punto de partida útil. Me sorprendió (aunque tal vez no debería haber sido sorpredente) que muchos de mis interlocutores que trabajan como funcionarios del Estado ecuatoriano y que están tratando de conceptualizar e implementar una “economía popular y solidaria” han leído o están leyendo Polanyi, Mauss, Luhman, Nancy Fraser, Keith Hart, Arturo Escobar, … hasta Gregory Bateson (!). ¿Cómo surgió este canon? ¿Cuáles son los circuitos de producción y difusión del conocimiento, las redes de publicación y citación?
¿Qué es nuestro papel político en este tipo de situaciones? Quizás es simplemente aprovecharse de esa apertura y abrirla un poco más. Por ejemplo, cuando unos me sugirieron que leyera Coraggio con La Gran Transformación de Polanyi, les di JK Gibson-Graham … Por otro lado, creo que es, de hecho, difícil de controlar lo que escribimos para diferentes públicos, como sugiere José. Lo que escribimos puede circular de manera sorprendente, o sea una vez que está en el mundo, ya no es de nosotros.
Una idea final: George Marcus ha propuesto una intervención metodológica para esta clase de proyectos, en los que los cánones, las metodologías, y los modos de producción de conocimiento del investigador y interlocutor coinciden, y la distinción entre el observador y lo observado—por no hablar del conocimiento y el mundo en general!—es imposible de mantener, incluso como ficción. La idea es crear un “para-site,” un espacio deliberadamente participativo donde múltiples actores de diversas posiciones institucionales pueden unirse a experimentar con respecto a un objeto de preocupación compartido. La pregunta para eventos así es: ¿Cuál es la base de la colaboración? (Para una breve reflexión de Marcus en inglés, ver aquí: http://limn.it/a-prototype-para-site-event-death-penalty-mitigation/)
Bueno es una conversación muy interesante! Gracias Gustavo por el post.
Thank you a lot for your comments, Taylor!
I do really think there’s a possibility of exploring these interconnections between our “natives'” practices and ideas and our own ones, as suggested by Jose and exemplified by anthropologists such as Miyazaki, Riles, Maurer, Marcus and Holmes. It is in fact the way I’m trying to think my own fieldwork questions at the moment.
However, I still feel a little bit skeptical that I’m going to be able to respond to this challenge by doing this tour de force towards collaboration and comparison. Even Marcus and Holmes say that some of their para-sites weren’t that successful. But in a way this post was sort of like a form of crying out this difficulty that I’m going through, and I feel more comfortable hearing that these difficulties are also present in works that are being done by collaborators of this blog. So back to work! Muchas gracias a todos!
Trackbacks
[…] ilegales; estadísticas económicas, números y sus representaciones; biólogos y mercados, etnografía e informantes muy reflexivos. Informes de lecturas sobre variedades del capitalismo y teoría de sistemas. Además muy buenas […]
[…] in Brazil and has found that people not only know that markets are crafted and performed but they even mention Callon’s work. Could you elaborate on the limitations you see in thinking about markets in terms of […]