Cristiano Fonseca Monteiro (cmonteiro@vm.uff.br) es Doctor en Sociología (UFRJ) y Professor Adjunto del Departamento de Administração, Universidade Federal Fluminense (UFF). Cristiano lleva mucho tiempo investigando el mercado de líneas aéreas en Brasil desde un punto de vista de sociología institucional. La fusión de Lan y Tam nos pareció una ocasión ideal para conocer más de su trabajo y sobre los desafíos que este tipo de fusiones abren para los estudios de la economía. Las respuestas están en un muy claro portugués y Cristiano entiende perfectamente español, por lo que preguntas y comentarios son muy bienvenidos.
JO: ¿Nos puedes contar brevemente en que ha consistido tu investigación sobre el mercado de líneas áreas en Brazil?
Vou começar pedindo desculpas aos leitores de língua espanhola do blog, que devem ser a maioria, por responder em português. Espero que possamos nos entender, apesar das pequenas diferenças entre as línguas.
Minha pesquisa sobre o mercado de transporte aéreo no Brasil começou no mestrado, quando estudei a trajetória da Varig, na época, a maior empresa aérea do país. Comparei o discurso da empresa sobre suas estratégias em dois contextos: o nacional-desenvolvimentismo das décadas de 1960-1970 e o neoliberalismo da década de 1990. Analisei relatórios de gestão, publicações voltadas para os passageiros e funcionários, além de livros de história da aviação comercial, para mostrar que no primeiro contexto, a empresa foi capaz de se articular à estratégia de desenvolvimento dos governos militares, que se baseavam na construção de um projeto de “Brasil Grande”, construindo uma estratégia de “Varig Grande” e “empresa a serviço do desenvolvimento do país”. Na década de 1990, a empresa passou a assumir uma identidade “lean and mean”, ou seja, uma empresa orientada para o retorno ao acionista e o resultado financeiro, mais focada numa idéia de “competitividade global”.
A partir do estudo da Varig, tomei interesse pelo estudo da liberalização dos mercados, processo que o Brasil enfrentou ao longo da década de 1990. Por isso, no doutorado, estudei o que chamei de “A dinâmica política das reformas para o mercado na aviação comercial brasileira”, que é o título da minha tese. Utilizei as teorias da Sociologia Econômica e do Institucionalismo Histórico para mostrar como os legados históricos e relações de poder mediaram a implementação das medidas relacionadas à liberalização deste mercado específico. O mercado aéreo brasileiro era altamente regulamentado, com pesados controles estatais sobre a oferta de vôos, até a década de 1980. A partir da década seguinte, se tornou um mercado cada vez mais competitivo, então meu trabalho mostrou a “construção sócio-política” deste mercado mais competitivo.
Por fim, minha pesquisa mais recente, já como professor da Universidade Federal Fluminense, onde trabalho, se dedicou a discutir as relações entre Estado e mercado no transporte aéreo na década de 2000. Esta pesquisa foi motivada pelo “caos aéreo” que aconteceu no Brasil entre 2006 e 2007, quando eu havia acabado de entrar na universidade. Foi uma fase muito difícil para a aviação no Brasil, pois aconteceram dois acidentes de grandes proporções, greves dos controladores de vôo, os jornais passaram a mostrar todos os dias as grandes filas que se formavam nos aeroportos, revelando que o crescimento do setor aéreo nos anos 2000 (o setor mais do que dobrou de tamanho entre 2000 e 2008) não foi acompanhado por políticas públicas para a infraestrutura de apoio a voo. Resgatei as teorias da Sociologia Econômica sobre o papel estruturante do Estado em relação aos mercados (Kal Polanyi, Neil Fligstein, Pierre Bourdieu, Peter Evans, entre outros) para mostrar que o “caos aéreo” teve origem na falta de capacidade de coordenação e planejamento por parte dos atores estatais.
JO: ¿Cómo se relaciona Tam con la historia institucional que has desarrollado?
Inicialmente, a Tam não era um ator importante no mercado brasileiro. Era uma pequena empresa, que surgiu na década de 1970, com criação do mercado de aviação regional. Digo criação porque foi exatamente disso que se tratou: até a década de 1960, os aviões eram relativamente pequenos e podiam voar para qualquer lugar. O Brasil chegou a ter mais de 300 cidades servidas por linhas aéreas comerciais. Com o surgimento dos aviões maiores, principalmente os jatos, as empresas passaram a concentrar seus vôos nas cidades maiores. Os governos militares criaram então o “Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional” (SITAR), que consistiu na divisão do país em cinco regiões. Em cada uma destas regiões, uma empresa seria responsável por fazer as ligações entre as capitais e o interior, em caráter monopolístico, recebendo para isso um subsídio. A Tam foi a empresa responsável pela região sudeste, voando principalmente no interior de São Paulo, o estado mais rico do país. Não havia muito espaço para a empresa crescer na época do SITAR, devido ao rígido controle existente no período, aspecto que já mencionei. No entanto, com a liberalização, nos anos 1990, o dono da empresa, Rolim Amaro, foi bastante habilidoso em aproveitar os espaços que foram se abrindo na regulamentação do setor para expandir suas atividades. Ao mesmo tempo, se beneficiou do fato desta liberalização ter acontecido “por etapas”, uma vez que os militares não tinham intenção de empreender uma deregulation radical, como houve nos Estados Unidos. Assim, entre 1990 e 1996, a Tam pôde crescer no mercado de vôos nacionais, disputando passageiros com as grandes empresas que existiam na época (Varig, Vasp e Transbrasil), enquanto estas empresas não podiam atuar em certos mercados dominados pela Tam. O mais importante destes mercados eram os vôos a partir do aeroporto de Congonhas, no centro da cidade de São Paulo. Este aeroporto era considerado exclusivo para os vôos regionais, enquanto os vôos nacionais deveriam partir do aeroporto de Guarulhos, relativamente distante do centro de São Paulo. Ou seja, a Tam disputou passageiros com as empresas nacionais, porém ela era uma das poucas que podia voar a partir do aeroporto mais próximo do centro da cidade, preferido pelos homens de negócio, que costumam pagar mais caro pelas passagens.
Não é por acaso que a Tam foi a empresa com melhor desempenho na década de 1990, tanto em termos de crescimento como de lucratividade, enquanto as demais empresas estavam em crise. Também não é por acaso que, com o aprofundamento da liberalização em 1996-1997 (que acabou com as restrições no uso do aeroporto de Congonhas, abrindo-o para que todas as empresas pudessem realizar vôos para quaisquer destinos), a empresa acabou entrando em crise junto com as demais. No entanto, ela foi flexível o suficiente para reverter a crise, ao contrário das empresas mais tradicionais, que acabaram deixando o mercado no início da década de 2000. Mas a Tam teve que mudar radicalmente suas estratégias para sobreviver: enquanto na década de 1990 ela cobrava tarifas mais altas que as demais e oferecia champagne e sanduíches aos passageiros na sala de embarque do aeroporto de Congonhas, na década de 2000, ela se tornou muito mais parecida com uma empresa “low cost, low fare”. Reduziu as tarifas, aumentou o número de lugares nos aviões e simplificou bastante o serviço de bordo. Atualmente, ela é a maior empresa aérea do país, com 38% e 84% dos passageiros transportados, respectivamente, no mercado doméstico e internacional. Ela é a única empresa que faz vôos internacionais para Estados Unidos e Europa.
A trajetória da Tam, que eu não estudei em mais profundidade – como fiz no caso da Varig – parece ser bastante emblemática das mudanças institucionais no mercado de transporte aéreo no Brasil. Nas revistas de negócios, esta trajetória costuma ser contada do ponto de vista do “gênio empreendedor” de seu líder, Rolim Amaro, que faleceu em 2001. De fato, ele foi genial e inovador em vários aspectos, mas é preciso entender também como suas estratégias se articularam à dinâmica política por trás das mudanças pelas quais o mercado de transporte aéreo passou nos anos 1990, assim como seus sucessores deram continuidade a esta trajetória na década de 2000.
JO: ¿Que esperas de la fusión de Tam y Lan Chile? y ¿qué tipo de preguntas sociológicas crees que se abren a partir de esta fusión?
Creio que este passo importante da trajetória da Tam também está relacionado com a dinâmica política que o transporte aéreo brasileiro assumiu nos últimos anos. Apesar da liberalização do setor aéreo ter começado em 1990, os militares continuaram controlando a regulação deste mercado até 2006, quando foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Logo em seguida aconteceu o “caos aéreo” e, como um dos desdobramentos desta crise, foi indicada uma nova diretoria para a ANAC, formada basicamente por economistas bastante comprometidos com uma visão liberalizante. Então, este grupo se encarregou de promover uma nova rodada de liberalização do transporte aéreo, especialmente em relação às rotas internacionais. Foram revistos vários acordos internacionais, ampliando a oferta de vôos entre o Brasil e outros países. Os acordos aéreos internacionais sempre pressupõem reciprocidade nos direitos, ou seja, os direitos concedidos às empresas estrangeiras que vêm para o Brasil são os mesmos concedidos às empresas brasileiras que vão para os respectivos países. No entanto, como já mencionei anteriormente, depois da falência da Varig e de outras empresas, restou apenas a Tam operando vôos de longo curso no Brasil e ela não tem sido capaz ou não tem tido interesse em voar para todos os países com os quais o Brasil vem ampliando seus acordos.
Desta forma, existem muito mais aviões de empresas estrangeiras voando para o Brasil, do que aviões brasileiros voando para o exterior. Mas este não parece ser um problema para as autoridades da ANAC, que entendem que o importante é ter mais opções para os passageiros, a preços menores, não importando se a empresa é brasileira ou não. Esta visão não é muito coerente com a política do governo Lula, que procurou se aproximar dos empresários, retomando instrumentos de política industrial e espaços institucionais de negociação entre Estado e mercado, valorizando as empresas brasileiras. Desta forma, nos últimos anos tivemos um revival do neoliberalismo no transporte aéreo e restou para as empresas enfrentarem o desafio de encarar a competição internacional com seus próprios meios (a retórica econômica convencional, como se sabe, prega que a competição leva á maior eficiência do mercado, obrigando os agentes a se tornarem mais eficientes etc. etc.). Creio que a fusão com a Lan faz parte desta estratégia de buscar meios de sobreviver diante do aumento da competição, principalmente no mercado internacional (a empresa ainda desfruta de uma posição confortável no mercado nacional, mas está em constante competição com a segunda maior empresa brasileira, a Gol, e com novas empresas que têm surgido, com estratégias bastante ambiciosas, como a Azul).
Eu tenho que confessar que conheço pouco o mercado de transporte aéreo da América Latina, um defeito que muito de nós pesquisadores brasileiros temos em relação aos nossos vizinhos. Para realizar uma análise sociológica desta fusão, seria interessante, do ponto de vista de um pesquisador brasileiro, entender melhor a trajetória institucional do Grupo Lan dentro da economia política chilena. O pouco que li sobre o Chile mostra que o país foi pioneiro na adoção do neoliberalismo, ainda na década de 1970, mas os Chicago Boys não ficaram muito tempo no poder. Desde os anos 1980, o país tem buscado uma estratégia de desenvolvimento que equilibra a “lógica do mercado” com parceria e negociação entre Estado e empresas (uma das características da Concertación). Como se deu o fortalecimento do Grupo Lan dentro deste arranjo? De posse desta resposta, podemos fazer algumas outras perguntas: que características das políticas regulatórias do Brasil e do Chile contribuíram para dar à fusão entre Lan e Tam a feição que ela assumiu (com a Lan se tornando a principal controladora)? Uma vez realizada a fusão, como será o relacionamento do novo grupo com as autoridades regulatórias de cada país? E que papel terá o transporte aéreo nas políticas de integração regional e internacional do Brasil e do Chile a partir da fusão? Ou seja, colocam-se questões sobre a governança do mercado de transporte aéreo, que passa a ganhar contornos transnacionais. Esta é uma novidade importante, uma vez que a aviação sempre foi pensada do ponto de vista da “soberania nacional”. Certamente podemos pensar em questões mais óbvias, mas não menos importantes: como vão se conciliar as culturas organizacionais das duas empresas? E as culturas das empresas após a fusão com os demais atores do mercado (inclusive passageiros)? Como ficam os trabalhadores diante das mudanças que a fusão irá provocar?
São perguntas que podem gerar agendas de pesquisa muito frutíferas, mas que deverão ser perseguidas por uma nova geração de pesquisadores – espero que do Brasil, do Chile e de outros países. Depois de mais de dez anos pesquisando o mercado de transporte aéreo, estou iniciando um novo projeto de pesquisa, focado na região onde estou trabalhando atualmente. Lá, as atividades principais são a siderurgia e metalurgia, e não existe nenhum aeroporto comercial! Espero que esta entrevista possa estimular alguns dos leitores do blog a se interessar pelo tema.